Lênia Luz
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Precisamos mesmo “ser peixe grande”?

Precisamos mesmo “ser peixe grande”?
Nany Semicek
jan. 25 - 7 min de leitura
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Sou uma aficionada por viagens a lugares distantes e hostis. Um destes destinos foi o Cânion Espraiado, localizado em Urubici, Santa Catarina. No agendamento do camping recebemos a orientação: só sobe com carro 4X4 ALTO. Esta orientação era realmente importante! Ao chegarmos lá, o carro que era 4X4, mas não era ALTO, não subiu a ladeira rumo montanha acima. Era bom, mas não o suficiente.

La fomos nós subirmos 9km a pé, com mochila nas costas. E isso se tornou mais significativo do que imaginávamos.

Ao chegarmos no cume, encontramos uma estrutura extremamente simples e de gestão familiar. Um casebre que outrora hospedava a família por décadas, se tornou o “hostel” e o celeiro se tornou um refeitório com anseios de bar. Para vender? Sim, refrigerante, cerveja e pastel. Mas a cerveja sempre havia acabado, o refrigerante só tinha um sabor e o pastel, só de carne (de procedência bem duvidável). Banheiro? Ficava laaaaaa embaixo, e apenas dois para dezenas de pessoas. Ao chegarmos ninguém registrou nossa entrada e o menino disse: fiquem à vontade, podem acampar onde quiser e o rumo da trilha é por ali.

O cânion é simplesmente alucinante. Um dos lugares mais lindos que já pude estar. Foi então que nossas mentes corporativas, empreendedoras, gestoras e conectadas com o desenvolvimento de negócios começou a trabalhar!

“Os caras possuem todo este paraíso e não sabem aproveitar”;

“Eles poderiam ter aqui serviços melhores”;

“Os caras não têm visão, poderiam fazer tal e tal melhoria para trazer um público mais seleto”;

“Se asfaltasse a estrada, eles iam ver o que era rendimento”;

“Imagina se no bar ele servisse vinhos e tabua de queijos, iam ficar ricos”;

“Este grande gramado poderia ter vários chalés para quem não gosta de acampar”;

“Poderiam ter deques nas trilhas para receber um público menos aventureiro”;

“Ofertar diversidade nos passeios seria um diferencial para eles”;

“Eles são deste jeito porque não tiveram experiência de mundo pra comparar”.

Participei de vários planos de como aquele lugar poderia “ser melhor e mais lucrativo”. Mas voltei com uma pulga atrás da orelha com este assunto. Será que precisamos mesmo tornar tudo tão grande?

Nós saímos de nossas casas exatamente para usufruir um pouco do respiro que é estar na natureza, no simples, no belo. Dentro do meu próprio grupo existem pessoas com planos de largar a vida na cidade e fugir para uma comunidade na zona rural. Mas o vírus do “grande empreendimento” habita em nosso cérebro, onde estivermos. A doença da nossa geração.

Se aquela família decidisse colocar nossos planos em prática, a vida deles seria completamente outra. Haveria sim mais rendimento financeiro, mas como seriam suas vidas? Com certeza começariam cercando tudo com muro alto e segurança monitorada nas portas. Haveria muito mais demandas no seu dia a dia, como definição de cardápio, compras de itens variados, equipe de limpeza terceirizada, sommelier para as bebidas, meios de pagamento variados, profissionais de marketing, consultores a mil, analise de consumo, indicadores de rendimento, acionistas, investidores, relacionamento com política local, e uma exigência grande dos clientes que por uma sujeira fora do lugar em seus quartos, com certeza, publicariam notas baixas nas avaliações nas redes sociais. E me pergunto, será que eles querem isso?

E nós? Queremos isso com nossos empreendimentos atuais?

Eles teriam mais “grana”, mas como ficariam seu “tempo” de gasta-lo?

Esta busca incessante de sermos peixes grandes, como empresa ou como profissionais nos leva sempre a um caminho de maiores preocupações, maior distancia do outro, mais probabilidades de doenças e tudo o que já conhecemos.

Se você ocupa um cargo maior, você precisa se vestir melhor, logo gasta mais (e gastará mais tempo tendo que ir às compras); vai precisar terceirizar quem faz a sua comida, quem cuida das suas roupas, quem educa seus filhos, quem faz a manutenção do seu quintal.

Se você ocupa um cargo maior, você precisa frequentar lugares que seus pares frequentam, logo gasta mais.

Se você ocupa um cargo maior, você precisa morar num lugar socialmente melhor e ter um bom carro para parar no vallet, logo você gasta mais.

Se você ocupa um cargo maior, você possui bens que te exigem uma segurança maior, logo você gasta mais;

Se você ocupa um cargo maior, você começa a ter receio de conviver com as outras pessoas que te cercariam por suposto interesse, logo você se entristece mais.

Se você ocupa um cargo maior, menos tempo e disponibilidade terá para os acasos espontâneos que as relações sem interesse promovem.

Eu conheço este lugar e não o quero mais.

Posso ganhar muito menos, meu custo de vida hoje se torna ridículo perto do que ja foi, mas minha vida se enriquece de gente, de espontaneidade, de TEMPO. Um dia meu médico homeopata me disse: “Você decidiu fazer aos 40 o que as pessoas planejam fazer depois dos 70?”

Se eu quero envelhecer na zona rural rodeada de amigos, porque desejo que aquela família transforme o Cânion num grande shopping de serviços polidos a gestão complexa e agonizante? Deixe-os viver.

A liberdade deles é que nos incomoda. Sua simplicidade crua ofende todos os nossos esforços para “sermos grandes”. Todas as nossas planilhas de estatísticas que produzimos em nossos empregos para que a produtividade do setor seja maior que no mês anterior. Todos os nossos fins de semanas ou noites que passamos longe de quem realmente amamos em prol do desenvolvimento das grandes corporações. Aquela parcela do nosso apartamento que financiamos em 360 meses que nos impede de viajar. A parcela do seguro do carro do ano e IPVA que juntos alimentariam uma família por meses. A liberdade deles nos fere. A possibilidade daquele cara sem dente que me serve um pastel seco de carne moída e toma cachaça barata ser mais feliz e privilegiado do que eu, nos fere.

Não quero! Quero consumir do mercadinho da esquina, quero comprar o bolo da mãe que vende porta a porta pra sustentar o filho. Quero olhar no olho dos meus clientes e saber onde eles moram. Quero vida enquanto vivo. Não quero ser grande. Quero estar aqui e agora, sem precisar de remédio pra dormir. Sem me preocupar com meu cabelo ou se as unhas estão no tom da moda.

Quero ser do meu tamanho, do tamanho que eu possa ir andando e carregar minhas coisas nom ombros morro acima.

E você? O que faz sentido pra você?

 

Nany Semicek

Mãe, mulher selvagem, montanhista e sócia-fundadora da Casa Poppins.

 

 

 


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