Lênia Luz
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Empreendedorismo feminino aos 60 anos

Empreendedorismo feminino aos 60 anos
Lênia Luz
nov. 26 - 11 min de leitura
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Veronique e Marta – uma vida de hackatons e empreendedorismo aos 60 anos

As sócias e fundadores da startup de moradia compartilhada Coliiv dão um baita exemplo de disposição e força de vontade em empreender e quebrar barreiras de idades e pré-concepções

O ambiente empreendedor – especialmente aquele por oportunidade e não necessidade – é predominantemente masculino, ainda. Das 12 mil startups mapeadas pela Associação Brasileira de Startups (ABStartups) em uma pesquisa do ano passado, apenas 15,7% são lideradas por mulheres (ou seja, 84,3% são de empreendedores do sexo masculino). O setor que mais têm presença feminina é o jurídico (legaltechs), com 25% de mulheres sócias, seguido por educação (21%), saúde (17%), seguros (16%), propaganda e marketing (14%), setor financeiro (11%), agricultura (3%) e indústria 4.0 (3%).

Alguns desafios são evidentes, como a falta de recursos, de autoconfiança e de incentivo para a entrada no mercado de tecnologia. E tudo isso nos leva a outro problema: a falta de representatividade. Sem mulheres nas lideranças das startups e ascendendo, menos meninas se interessam pela carreira. E duas mulheres estão tentando mudar isso.

A dupla de amigas e sócias Veronique Forat, 63 anos, e Marta Monteiro, 66 anos, está tentando quebrar dois tabus de uma vez só – a de que mulher não sabe gerir negócio próprio e a de que mulheres mais maduras não têm mais pique, disposição e até capacidade para começar uma nova carreira. As duas estão há quatro anos desenvolvendo uma ideia para lá de interessante: fazer o match perfeito entre pessoas que querem um lugar para morar e quem está alugando um espaço.

Elas já haviam passado dos 60 anos de idade quando iniciaram a jornada no mercado de startups e fundaram uma proptech (setor imobiliário), a Morar.com.vc, que passou a se chamar Coliiv este ano, depois de a empresa receber um aporte do fundo de investimento Potato Valley Ventures e entrar na fase de expansão.

Hoje, com uma base de mais de 10 mil usuários de todas as idades e mais de 1 mil ‘matches’ entregues nos últimos 3 anos, a plataforma está mais robusta e conta com parcerias estratégicas com grandes startups do setor imobiliário e de serviços. A ideia é que não apenas o usuário encontre o match ideal, mas também o imóvel ideal para compartilhar com alguém.

Eu conheci a dupla em um workshop em 2017 promovido pela Validation Rocket, empresa que desenvolveu uma metodologia de tirar planos do papel. Me impressionei com a força de vontade, disposição e energia para fazer o negócio dar certo.

A história das duas como empreendedoras começou em um evento sobre reinvenção do trabalho. Ambas têm uma trajetória longa no mundo dos negócios e se juntaram em um momento que queriam desafios maiores. Marta trabalhava já há algum tempo com comercialização de imóveis e estava insatisfeita com o que via no mercado.

“Me incomodava bastante a forma como as imobiliárias e o mercado trabalhavam. Percebia que as pessoas tinham pouco pensamento de humanização e de personalização. Estavam mais preocupadas em colocar para dentro das casas o máximo de gente, pensando na questão financeira e não no perfil de cada um, jeito, gostos e valores”, conta Marta ao blog.

Veronique tem ampla experiência em agências de marketing e propaganda e vinha, nos últimos anos, trabalhando com análise de dados. “Dados têm tudo a ver com comunicação. A partir da coleta de mais informações, é possível apurar o relacionamento entre marcas e usuários e criar produtos baseados no conhecimento individual de cada um”, diz ao blog.

 

A ideia

Elas se identificaram porque compartilhavam o sentimento de que as empresas precisam prestar atenção nas pessoas e se indignavam como isso não acontecia no setor imobiliário. Veio, então, a ideia de criar uma plataforma que conecte pessoas com interesses, valores, costumes e hábitos semelhantes ou compatíveis.

Em cidades grandes, como São Paulo, é comum encontrar apartamentos e casas compartilhadas, mas é tão mais comum escutar histórias desastrosas sobre convivência. E isso, acreditam as empreendedoras, é porque as pessoas conhecem muito pouco umas sobre as outras antes de toparem dividirem um espaço.

O objetivo da Coliiv é conectar pessoas com afinidade para morarem juntas. Há uma lacuna no mercado e uma dor real de quem passa por uma situação do tipo que não deu certo – os dois elementos que uma startup precisa”, comenta Veronique.

É natural que, depois da faculdade, jovens sem muito dinheiro optem por dividir uma casa, mas não estão mais dispostos à falta de organização e limites de muitas repúblicas universitárias. Tem também quem acaba alugando um lugar sozinho longe do trabalho (o que cabe no bolso) só para evitar ter problemas.

“O que a pandemia mostrou é como a boa companhia é fundamental. Uma relação é mais duradoura se as pessoas são compatíveis”, diz Marta.

O que elas identificaram é que o primeiro passo para resolver essa questão era coletar dados e isso deveria ser feito por meio de um questionário subjetivo e com perguntas-chave sobre personalidade, gostos e desgostos.

“Quem oferece a moradia hoje não tem muitos meios de conhecer a pessoa a não ser que converse com ela e a conheça. O que queremos é ajudar nessa etapa, fazer o trabalho prévio de filtragem antes de começarem a conversa”, conta Veronique.

 

Desenvolvimento

 

O aperfeiçoamento do questionário, do algoritmo e da tecnologia por trás foi sendo feito ao longo dos últimos anos, a partir de inúmeras pesquisas, muito bate-papo e vários pedidos de ajuda e colaboração de players do mercado de coliving.

Isso sem contar as participações em hackatons, rodadas de pitchs (apresentação do negócio) e feiras de empreendedorismo – até da Campus Party, tradicional evento para jovens desenvolvedores e empreendedores, elas participaram.

 

“Em um primeiro momento nos destacávamos entre os caras barbudos – afinal, duas mulheres de uma certa faixa etária era ‘bonitinho’. Chamávamos a atenção de uma forma positiva, mas anedótica por causa do preconceito. Começamos, então, a mostrar porque estávamos lá e que não queríamos só brincar de fazer uma startup. Demos o sangue nos últimos três anos para chegar aonde estamos, queimamos o dinheiro, optamos pelo risco e não pela segurança e apanhamos muito, claro”, conta Veronique.

A dupla chegou a participar do Startup SP, programa do Sebrae de desenvolvimento de startups digitais em estágio de validação das premissas dos modelos de negócio. “Durante quatro meses apanhamos, caímos de bunda, mas sacudimos a poeira. Uma dica que eu deixo para quem está começando é questionar o tempo todo o que está fazendo, coloque à prova sua ideia e seu negócio. Tem um equilíbrio que precisa encontrar entre ser fiel ao propósito e estar disposta a questionar tudo”, pontua Veronique.

No início, claro, o trabalho era manual, uma planilha no excel, um questionário no Google Forms, um site feito no WIX e muita solo de sapato e telefonema para falar diretamente com os candidatos, como a maior parte das startups começam.

Dessa pesquisa, surgiu o grande segredo do negócio: um questionário que avalia não somente características e preferências tangíveis dos usuários, mas também traços de personalidade e padrões de comportamento que, por meio de um complexo algoritmo de cruzamento de dados, entregam uma alta probabilidade de convivência harmoniosa, no longo prazo, com os matches.

Algumas questões importantes que foram incluídas com os feedbacks foram, por exemplo, a preferência – ou não – por cães e/ou gatos e o veganismo e vegetarianismo. “Descobrimos, por exemplo, que a questão do vegetarianismo e veganismo era bem importante porque a maioria não queria morar com pessoas que comem carne”, conta Marta.

Foram os feedbacks que mostraram que elas tinham achado o caminho certo. Ao longo da história da empresa, mais de 90% dos usuários confirmaram que realmente combinam com seus matches. Com a ideia testada, chegou a hora de ir atrás de dinheiro e expandir o negócio.

“A energia que tínhamos quando nos conhecemos era uma; vontade de fazer alguma coisa nova, com propósito, deixar um legado. Hoje a energia é mais fundamentada e focada em chegar aonde queremos ir”, conta Marta, cujos dois filhos super apoiam a mãe na jornada e vibram juntos com as conquistas.

 

Expansão

Por estarem tão expostas ao mercado, a dupla foi convidada para uma conversa com os representantes do fundo de investimentos brasileiro Potato Valley Ventures, especializado em construtechs e proptechs e que conta, no seu quadro de sócios, com grandes nomes do mercado de construção civil e imobiliário, como Leonardo Diniz, fundador da Oakwood Real Estate, e Fred Fernandes, ex-Votorantim Cimentos e empreendedor e sócio do Potato Valley.

O valor do aporte não foi revelado, mas, mais do que dinheiro, o fundo está ajudando a dupla a contratar as pessoas certas para a equipe e firmar parcerias.

A Coliiv acaba de firmar uma parceria com a Yuca, startup referência em coliving no Brasil, com imóveis localizados no principais bairros da cidade de São Paulo, como Pinheiros, Bela Vista, Brooklin e Jardins.

“Sabemos o quanto viver em sintonia com as pessoas que moram com você é fundamental para a qualidade do morar. A parceria com a Coliiv e seu algoritmo de match irá nos ajudar a melhorar ainda mais a experiência de quem mora em um coliving da Yuca”, conta Eduardo Campos, cofundador e CEO da Yuca.

Além disso, a ideia é agregar cada vez mais serviços complementares à moradia compartilhada. Também acaba de fechar uma parceria com a Pede pro Gênio, concierge de serviços gerais, como mudança, pintura e reparos nas casas.

Hoje a Coliiv atende tanto pessoas que procuram flatmates certos e uma moradia como quem tem a moradia (tem quartos disponíveis, por exemplo) mas se preocupa com quem coloca para dentro de casa. Também conecta entre si várias pessoas que procuram um mesmo tipo de imóvel para dividir, numa localização semelhante, com valores parecidos.

Hoje ainda tem mais gente procurando lugar do que oferecendo espaço e é nesse equilíbrio que elas estão focando agora. A plataforma tem um chat em que, depois do match, as partes podem conversar (ambiente seguro, sem necessidade de passar contatos pessoais).

Por ora, após os primeiros meses do lançamento oficial, o serviço ainda está gratuito, mas logo mais passará a cobrar uma mensalidade de R$ 19,99 que dá acesso ilimitado à todas as ferramentas.

Vendo tudo que construíram até aqui, Veronique percebe o quanto se vê protagonista de sua história.

“Com certeza me sinto plenamente participante e não à margem do que está acontecendo a minha volta. Ainda é o meio da batalha e não estou assistindo de fora. Infelizmente, muitas mulheres, especialmente na minha idade, se colocam numa posição de expectadoras do mundo e minha dica é para elas sempre serem participantes”, finaliza.


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